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Trilha de Lágrimas - Capítulo 5

Tudo se repetiu.
— Venha e seja o nosso Salvador.
Repetiu a voz quando acordei no caleidoscópio novamente.
— Me mande de volta! — exigi — Eu preciso salvar Ignis.
— Não! — a voz tornou-se imponente — Você precisa ficar mais forte e salvar Pristine!
Meu corpo paralisou, isso é, se eu podia chamar aquilo que entrava no Reino Espiritual de corpo. Como assim, não podia salvar Ignis? Eu seria bem mais forte como Excluído, mas seria preso e não poderia fazer nada para salvar Pristine. Com Ignis ao meu lado, eu poderia…
Foi então que me ocorreu… Salvar Pristine de que?
— Quem é você? Qual o perigo que Pristine está correndo? O que eu vou enfrentar?
— Você saberá na hora certa, tudo que precisa saber é que Pristine precisa de você! Precisa que você fique mais forte!
— Isso quer dizer… que… — senti um peso no meu coração — …Ignis tem que morrer? Que eu tenho que me tornar um Excluído? Como vou salvar Pristine se me prenderem ou se me matarem novamente?
Não houve resposta, pois eu já tinha retornado ao longo corredor da Mansão Sagrada.
“Voz idiota.”
Atravessei o corredor da Mansão Sagrada em direção ao altar ao lado de Ignis pelo que eu esperava ser a última vez. Não estava pronto para me despedir dele. Queria conhecer mais sobre o amigo precioso de Spes, queria apreciar mais alguns momentos com ele além da troca de olhar calorosa no altar. Mas se eu queria sobreviver e dar um final feliz para Spes e Lux, eu precisava me despedir.
Cheguei ao altar e encarei a Prioresa, lembrando daqueles cristais na mão dela, que só apareceram na novel quando grandes monstros eram derrotados. Concluí que eles eram a provável causa da aparição do portal. A razão da catástrofe ter ocorrido em um solo sagrado só seria explicada no spin-off, que ainda não tinha sido lançado. Parecia que eu teria que investigar a Prioresa, e para isso eu não podia ficar preso, precisava continuar como um Guia importante, membro ativo do Culto da Luz.
“Pense, Salvador, o que Spes faria se tivesse toda a informação que você tem agora?”
Segurei a mão de Ignis com força e o calafrio atravessou todo o meu corpo, muito mais forte dessa vez, provavelmente porque eu sabia que tinha que me despedir. Nossas mãos se separaram, e olhei para Ignis correndo diretamente para seu túmulo. Me mantive no altar, segurando a vontade de Spes de ir salvar os restos mortais do seu amigo.
Não foi uma luta fácil, a minha força de vontade tinha que ser maior do que a de Spes. Visualizei correntes poderosas me prendendo ao chão da catedral, me impedindo de reagir àquela cena tenebrosa.
O chocalho vibrou, o lobo uivou e eu gritei. Senti meu olho direito esquentar e me joguei no chão, cobrindo-o. Eu sentia uma dor cortar todo o meu ser, muito mais profunda do que a primeira vez que vi Ignis morrer, e talvez por não reagir à perda, o corpo estivesse me punido. Permaneci caído no altar, sentindo meu corpo ser queimado por chamas invisíveis e tudo ficou escuro novamente.
Eu tinha falhado mais uma vez.
Uma luz branca brilhava no alto, me deixando confuso. Esperava ver o colorido do caleidoscópio novamente e não aquele espaço unicamente branco. Minha consciência foi voltando aos poucos. Graças ao cheiro de éter e o bip ritmado, presumi que estava em algum tipo de ala hospitalar antes mesmo da minha visão se estabelecer.
Eu sobrevivi. Isso significava que Ignis não podia mais ser salvo e que eu tinha me tornado um Excluído. Mas porque eu estava em uma ala hospitalar avançada ao invés de uma cela no laboratório subterrâneo?
Tentei me sentar, sentindo todos os músculos do meu corpo reclamarem. Olhei ao redor em busca de respostas, mas minha visão periférica parecia debilitada. Tudo que conseguia ver eram os equipamentos de última geração, o lençol com o emblema do Culto da Luz, as persianas brancas fechadas e uma porta ao longe.
“Será que estão me mantendo aqui até que eu me recupere, e então irão me prender?”
O que aconteceu entre a luta na catedral e Spes acordar no laboratório não foi descrito na novel, talvez tenham tratado ele antes de começar a estudá-lo, afinal, precisavam dos poderes dele para os testes. Eu provavelmente acordei antes, pois não gastei energia nenhuma durante a cerimônia.
Quanto tempo tinha se passado? Quanto tempo eu ainda tinha para fugir?
Passei as mãos desesperadamente pelo meu pescoço à procura de um torquem, uma coleira imbuída com poder divino que selava os poderes de Guias e Sentinelas, que era utilizada para conter criminosos, e claro, Excluídos.
Não tinha nada.
Respirei aliviado, mas não muito. Não ter um torquem não significava muita coisa, afinal eu estava desacordado, e sabendo como aquela gente do Culto da Luz era prepotente, duvidei que teriam bloqueado meus poderes sem antes fazer uma análise completa do meu corpo com sua tecnologia de ponta.
“Preciso sair daqui!”
Com cuidado, retirei o acesso do meu braço, como vi fazerem comigo algumas vezes quando fui para o hospital, e pressionei com um dedo para evitar sangramentos. A última coisa que eu precisava era me sentir fraco por causa da perda de sangue. Arranquei os fios ligados ao meu peito com força, já que esses não causariam nenhum dano, e corri em direção a porta.
Os aparelhos foram à loucura, apitando alto e me deixando atordoado. Claramente meu corpo ainda não tinha se recuperado, mas eu precisava sair dali. Meus membros estavam pesados e meus passos mais lentos do que eu esperava, mas quando alcancei a maçaneta, ela se abriu sozinha.
— Vejo que está acordado, Guia Spes — disse um homem vestido em um jaleco branco. Ele tinha cabelos grisalhos em um corte curto, e olhos de um verde claro em um tom sobrenatural. Um sentinela Curandeiro. — Seu corpo ainda está muito debilitado, por que não voltamos para cama, hm?
Com a calma de um profissional bem treinado, ele pousou levemente sua mão em minhas costas, e me guiou de volta ao meu leito. Ainda me sentindo encurralado, sentei na cama enquanto buscava uma rota de fuga. Meu instinto de sobrevivência gritava. A necessidade de fugir ou lutar crescia em meu peito.
— Pelo seu jeito arisco, posso perceber que você ainda está sob efeito do choque da tragédia, mas eu posso te garantir, Guia Spes, você está seguro aqui — informou o homem em um tom gentil.
Cerrei os olhos e senti algo estranho no lado direito. Por mais que eu quisesse cobri-lo com as mãos, ignorei a pontada. Eu precisava saber se eu tinha me tornado realmente um Excluído e quais eram os planos do Culto da Luz para o meu futuro.
— Quem é você? Onde eu estou? Onde está Ignis? — a única pergunta que realmente eu não sabia a resposta era a primeira. Eu estava apenas fingindo estar mais confuso do que realmente estava, para baixar a guarda dele e poder fugir caso fosse necessário.
— Que rude da minha parte! Eu sou o Sentinela Castrum, sou um Curandeiro e médico também — ele estendeu a mão enluvada em minha direção — Estou responsável pela sua saúde de agora em diante.
Apertei a mão estendida e avaliei o homem à minha frente. Eu não me lembrava de nenhum Sentinela Castrum na novel, então não sabia se podia confiar nele ou não. Apertei a mão dele, dando o benefício da dúvida.
— Onde eu estou? Onde está Ignis? — repeti as perguntas e observei a reação do médico. Seus olhos pareciam cheios de pena, como alguém que estava prestes a dar uma notícia ruim.
— Você está na ala hospitalar da Mansão Sagrada — Sentinela Castrum crispou os lábios e prosseguiu — O Sentinela Ignis… Ele foi um herói, tentou impedir a quebra do portal, mas foi morto antes de atravessar. Graças ao sacrifício dele conseguimos conter a cascavel antes dos outros monstros saírem e devastarem toda a Mansão Sagrada — ele suspirou e segurou a minha mão — Meus pêsames, Guia Spes, eu não imagino o tamanho da dor de um Guia perder o seu Sentinela no dia do seu batismo.
— Ele era o meu melhor amigo — senti as lágrimas tomarem o meu rosto, me permitindo sentir o luto de Spes.
— Eu estou aqui para te ajudar a superar esse momento difícil — Sentinela Castrum deu alguns tapinhas de conforto na mão que ele segurava e ofereceu um sorriso gentil.
Chorei por mais um tempo, sentindo uma estranheza no meu olho direito. Toda aquela dor não iria embora tão cedo, e enquanto ela me dominasse, eu seria fraco demais para fugir ou lutar. Então me permiti sentir e ficar vulnerável enquanto parecia estar mais ou menos seguro na frente daquele homem que eu mal conhecia. Talvez esse fosse um dos poderes dos Sentinelas Curandeiros, transmitir essa segurança aos seus pacientes e assim poder tratá-los.
— Obrigado — disse quando consegui me acalmar.
— Agora eu preciso que você descanse, tá bem? — Sentinela Castrum soltou a minha mão e ajeitou meu travesseiro — Sua condição ainda é delicada, mesmo que não tenha risco de morte.
— Qual condição? — perguntei, inclinando a cabeça para o lado. Apesar de me sentir fraco e um pouco atordoado, eu me sentia bem. E claro, tinha alguma coisa estranha com meu olho direito.
“Será que ele está falando da minha transformação em um Excluído?”
Mordi o lábio inferior tentando manter a lucidez. Não era hora para entrar em pânico, precisava entender a situação primeiro. Se eu tinha me tornado um Excluído, precisava me preparar para fugir.
— Um trauma grande pode causar um grande dano mental a um Guia. — explicou Sentinela Castrum, escolhendo as palavras cuidadosamente — Mesmo que você não tenha sido marcado pelo Sentinela Ignis, vocês tinham um vínculo forte, construído por anos de amizade.
Acenei com a cabeça, ansioso pela conclusão. Ele estava enrolando.
— A quebra de tal vínculo é altamente danoso para a mente de qualquer um, seja um Guia, um Sentinela ou um Civil. O cérebro é a máquina que mantém nosso corpo funcionando corretamente, e quando perdemos alguém que amamos, ele pode se danificar — ele fez uma pausa e seu olhar se tornou ainda mais empático — No seu caso, depois do ocorrido na Mansão Sagrada, seu corpo e mente sofreram altos danos. Sua força física e mental diminuiu drasticamente.
— O que isso quer dizer? — perguntei apreensivo.
— De acordo com a nossa avaliação física, você não é mais um Guia nível SS, e sim nível F.
Permaneci em silêncio absorvendo as informações.
— Com tratamento e treinamento adequado, você poderá recuperar energia mental aos poucos — Prosseguiu Sentinela Castrum — Mais uma coisa… O seu olho direito…
Levei a mão ao olho direito e senti o curativo nele. Eu estava evitando tocá-lo, pois sabia que tinha algo errado.
— O que houve? — perguntei apreensivo, temendo que a resposta fosse a que eu imaginava.
— Sinto muito, não temos como recuperá-lo. — lamentou Sentinela Castrum.
Nota da Autora:
Enredo envolvendo olho direito? Isso é uma CLAMP REFERENCE xD
Agora me diz, você conhece alguma obra da CLAMP? Se sim qual a sua preferida?